Sem prejuízo da interdependência entre os diferentes eixos de intervenção, o terceiro realça a filosofia Aprender com Tecnologias que se afirma como o modelo curricular de integração das tecnologias digitais privilegiado e estruturante de todo o caminho a percorrer no terreno em direção à inovação e transformação digital.
Para a concretização deste trajeto, estão previstas duas principais ações:
- Capacitação e apetrechamento das escolas, em articulação com a criação e dinamização de ações de capacitação para e com os professores das 28 escolas envolvidas no projeto, incluindo ainda uma componente de incentivo e ajuda direta à construção e avaliação de projetos pedagógicos específicos no contexto particular de cada escola; e
- Apoio à realização de Seminários de Partilha de conhecimentos e experiências, por cada ano do projeto, com o intuito de divulgação de atividades das escolas e disseminação de resultados, aprendizagem e intercâmbio, contribuindo de forma colaborativa para o processo de conhecimento e avaliação.
Assunções sobre o Potencial Pedagógico das Tecnologias Digitais
Apresenta-se aqui o conjunto de premissas sobre o potencial que as tecnologias digitais podem assumir em contexto educativo que usamos como referência e orientação para o trabalho a desenvolver com os professores no contexto deste projeto:
- que a exploração das TIC pode trazer mais-valias ao processo de aprendizagem se claramente assumidas enquanto ferramentas com as quais o aluno é levado a refletir sobre o que está a aprender e sobre como está a aprender;
- que a exploração das TIC constitui uma dimensão determinante do desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos se o trabalho que os alunos são chamados a desenvolver com elas se enquadrar numa lógica de transversalidade curricular, assumindo as TIC como competência transversal;
- que as TIC podem assumir um papel que vai muito para além de instrumento de suporte às práticas convencionais, o que costuma ser mais habitual, constituindo-se sobretudo como “parceiro intelectual” do aluno;
- enfim, que as TIC podem induzir inovação dos processos de ensino e de aprendizagem, na medida em que também permitem realizações que não era possível antes da sua existência.
Dito de outra forma, e num contexto de generalização e democratização das tecnologias digitais de informação e comunicação, a ideia forçai é que estas tecnologias detêm um enorme potencial para que o processo de ensino e de aprendizagem possa ser abordado de forma diferente, permitindo explorar uma imensidão de estratégias de trabalho que muito poderão contribuir, não tanto para a aprendizagem dos saberes curriculares, mas sobretudo para o desenvolvimento global dos alunos enquanto pessoas.
Segundo Papert (1997), a diferença essencial reside precisamente no facto de, pela primeira vez, estarmos perante tecnologias que nos ajudam a pensar sobre o que, num determinado momento, estamos a fazer com elas (“objectos-de-pensar-com”), ou seja, em que a sua utilização pode favorecer a iniciativa e o envolvimento ativo do aluno na sua própria aprendizagem. Uma visão que se opõe radicalmente à ideia tradicional de entender os computadores como máquinas de ensinar, em que a informação e os caminhos de aprendizagem estão pré-estabelecidos, e em que o computador é visto como substituto do professor no processo de transmissão do saber.
Uma visão em que, pelo contrário, se defende que os dispositivos tecnológicos terão como principal função a de serem controlados ou comandados pelas próprias crianças, como no caso das ferramentas de programação como o Scratch, em que programam a máquina, com o que isso implica em termos de envolvimento cognitivo, por exemplo, na formulação de hipóteses e antecipação de resultados pretendidos, no planeamento da tarefa e seleção de estratégias, na verificação das hipóteses, etc..
De acordo com o mesmo autor, o verdadeiro potencial das tecnologias digitais reside no facto de constituírem uma linguagem de expressão de ideias poderosas, permitindo aos alunos aprender quando as usam para elaborar ou criar algo, quando as utilizam como ferramenta de expressão de si mesmos, ou para comunicarem e interagirem com os outros, para resolverem problemas, enfim, quando, está presente uma atividade de maior exigência cognitiva.
Constituindo-se, pois, como tecnologia do aluno, por oposição ao que aconteceu ao longo da história da utilização de meios tecnológicos na Escola, em que todas as tecnologias usadas, quase sem exceção, eram essencialmente ferramentas ao serviço da transmissão da informação, ou seja, tecnologia para ajudar o professor a cumprir a sua função de transmitir os conteúdos aos alunos.
Um caminho do… aprender Sobre… ao aprender Com
Em síntese, estamos perante duas posturas distintas na sua essência: uma que coloca os meios disponíveis ao serviço exclusivo do professor, apoiando-o na tarefa de comunicação e transmissão do saber; outra que sugere e fundamenta a sua importância sobretudo quando esses meios são colocados ao serviço do aluno, como facilitadores da criação de conhecimento.
No sentido de clarificar as diferentes perspetivas de uso dos computadores que, em síntese, importa considerar, retomamos aqui a classificação proposta por Jonassen (1996) que assenta na distinção entre diferentes tipos e graus de implicação cognitiva dos alunos no trabalho com computadores:
- Aprender Sobre
- Aprender Através
- Aprender Com
Relativamente a outras tipologias, é uma classificação que possui a vantagem de nos ajudar a compreender melhor os diferentes tipos de utilizações possíveis e as suas implicações na forma de encarar a própria aprendizagem, no tipo de objetivos visados e, portanto, no tipo de trabalho didático que com elas pode ser realizado.
Aprender Sobre tecnologia
Neste caso, a tecnologia constitui, ela própria, objeto de ensino e aprendizagem, como se de outro conteúdo de aprendizagem formal se tratasse. A ideia central desta perspetiva é a de que as tecnologias constituem em si mesmo um corpo de conhecimentos indispensável para que o aluno se possa inserir com sucesso na sociedade, cada vez mais dependente das tecnologias, e adquirir na Escola as competências necessárias para exercer eficazmente uma atividade profissional futura.
É com base nesta ideia, fortemente marcada pelos movimentos que atribuem à Escola um papel determinante em termos de orientação profissional, que nos sistemas escolares emerge a introdução de um espaço curricular próprio dedicado ao estudo e aprendizagem das novas tecnologias, muito embora esse objetivo tenha surgido logo nos anos oitenta, quando professores e educadores se começam a questionar sobre o uso a dar aos computadores na Escola.
Visando fornecer um corpo básico de conhecimentos sobre a informática e sobre o computador, usualmente designada de “literacia informática”, é uma perspetiva que, na maior parte dos casos, está orientada para ensinar aos alunos as componentes do computador e respetivas funções, partindo da convicção de que a compreensão dessas funções seria determinante para os tornar aptos na sua utilização.
Para além de acabar, muitas vezes, por significar uma aprendizagem superficial, baseada na memorização através da repetição, é uma perspetiva que tem vindo a perder relevância não só porque a crescente difusão e exposição aos computadores tem permitido que cada vez maior número de alunos aprenda a trabalhar com eles, com grande autonomia e independência, fora da própria Escola, mas também da convicção, tal como acontece com o domínio de outras máquinas (um automóvel, uma máquina de lavar…), de que não é necessário compreender o seu modo de funcionamento interno para se poderem utilizar de forma produtiva. Com um impacto significativo no âmbito da reflexão aqui partilhada, constata-se que os saberes e as competências adquiridas nessa lógica dificilmente apoiam os objetivos de aprendizagem das diferentes disciplinas, nomeadamente quando esses objetivos apresentam maior complexidade e exigência do ponto de vista cognitivo.
Aprender Através da tecnologia
Nesta perspetiva, a função principal do computador é apresentar ao aluno o conhecimento previamente selecionado e estruturado, como se do professor ou de um manual se tratasse. O aluno acede a esse conhecimento, de forma mais ou menos interativa, dependendo o grau e o tipo de interatividade do suporte utilizado, da filosofia que terá presidido à sua organização interna e das potencialidades tecnológicas disponíveis (ensino programado, ensino assistido por computador, tutoriais, exercícios para praticar, sistemas inteligentes, sistemas hipermédia, vídeos, etc.).
Tem como base um currículo fechado e, mais globalmente, uma perspetiva tradicional de encarar a Escola como fonte exclusiva e estruturada do saber, constituindo assim uma ajuda ao professor, reservando para o aluno um papel mais passivo, de “consumidor” do conhecimento considerado pertinente e útil para aprendizagem na Escola.
Na essência desta perspetiva está também a crença que o computador pode assegurar o todo ou parte do trabalho de transmissão da informação, sendo a principal atividade do aluno a observação, compreensão e memorização com base nos produtos ou produtos criados para esse fim.
É uma perspetiva cujas principais vantagens se associam ao facto de estes produtos prontos a consumir poderem facilmente chegar a muitos utilizadores, mas também responder a necessidades e ritmos de aprendizagem diferenciados, permitirem percursos individualizados, facilitarem a (auto) avaliação de conhecimentos e a repetição de exercícios tantas vezes quantas se quiser, para só referir algumas das mais significativas.
Aprender Com tecnologia
Nesta outra perspetiva, a ideia central é a de que o aluno aprende “ensinando” o computador, usando, por exemplo, linguagens de programação específicas, como foi originalmente o caso da linguagem LOGO desenvolvida no MIT por Seymour Papert, ou, mais recentemente, das ferramentas que dela derivaram, como é o caso do Scratch ou do Tynker. Ou usando aplicações desenvolvidas numa determinada área do saber, como por exemplo, o Cabri-Géomètre e o Sketchpad ou o Cinderela, para aprender geometria.
Trata-se de uma abordagem que assenta na convicção de que o real potencial dos computadores só existe quando, através do seu uso em situações concretas, se estimula o pensamento crítico do aluno na realização de uma qualquer tarefa em que esteja ativa e cognitivamente implicado, e se situe dentro do que as suas estruturas cognitivas num determinado momento lhe permitem fazer.
É, pois, uma perspetiva que parece responder, pelo menos aparentemente, às exigências de maior complexidade cognitiva colocadas por algumas das aprendizagens escolares, nomeadamente as que vão além da memorização de conhecimento objetivo e de conceitos e rotinas relativamente simples. Referimo-nos, por exemplo, a todas as aprendizagens envolvidas na resolução de problemas, em que, pela sua natureza, é importante a aquisição de competências transversais por se inscreverem mais numa perspetiva de desenvolvimento global do indivíduo do que propriamente na aquisição e domínio dos conteúdos específicos de uma determinada área disciplinar.
Uma das propostas que mais se enquadra nesta última opção é a que alguns autores designaram de “ferramentas cognitivas” (“Mindtools”) (Derry, 1990; Jonassen, 1996; Kommers et al., 1992) e nas quais, segundo Jonassen (1996), se podem incluir também aplicações comuns, como, por exemplo, a folha de cálculo ou os sistemas de gestão de bases de dados, desde que utilizadas de tal forma que coloquem o aluno perante tarefas em que o seu envolvimento cognitivo é crucial. Ou seja, mais do que uma questão de acesso a aplicações ou produtos específicos, a essência desta perspetiva remete-nos para o modo como se organiza e estrutura o processo de ensino e aprendizagem, e o papel que uma determinada tecnologia pode desempenhar ao nível da conceptualização e da construção individual de significados por parte dos alunos.
Texto retirado de Costa, F. (2019). Reflexões sobre a integração de tecnologias digitais na escola. In Língua e Literacia(s) no Século XXI. Porto: Porto Editora. 14-39.
Biblioteca de Atividades Online
Para apoio à planificação de atividades com tecnologias (Aprender Com), disponibiliza-se aqui a Biblioteca de Atividades Online, em que os professores podem pesquisar exemplos de atividades com tecnologias desenvolvidas por docentes de diferentes países europeus e reunidas no mesmo espaço (Criada no âmbito do Projeto LIDIA – Literacia Digital de Adultos).
Esta Biblioteca foi desenhada a pensar especialmente nos professores, educadores e formadores que, motivados para o uso de tecnologias digitais ao serviço do ensino e da aprendizagem, se questionam sobre que tecnologias usar, o que fazer com elas, para que objetivos em concreto ou em que momentos usá-las, mas que pretendem sobretudo compreender como organizar o trabalho dos alunos com recurso a essas ferramentas.
Aí reside, aliás, o principal o seu valor, pois, mais do que sugerir a ferramenta X ou Y, a ideia é que as atividades propostas permitam ao professor ou educador perceber como a situação de ensino e aprendizagem está organizada, que preparação prévia é necessário garantir, com que objetivos em concreto se recorre à tecnologia, que trabalho os alunos são chamados a desenvolver com e sem tecnologia, como é organizado o espaço e o tempo, enfim, um vasto conjunto de aspetos de ordem metodológica cujo desconhecimento são uma forte barreira à adoção das tecnologias pelos docentes, como vimos anteriormente.
Para responder a esse objetivo, a opção estratégica foi a de fazer um levantamento e recolha de práticas junto de professores, tendo como referência a sua própria avaliação e seleção do que já haviam experimentado com os seus alunos e que, de alguma maneira, tinha sido bem-sucedido.
Trata-se, pois, em última instância, de testemunhos de situações de trabalho com tecnologias em contexto escolar que um vasto leque de professores de diferentes países europeus tinha já experimentado com os seus alunos, que depois organizámos de forma a lhes dar uma certa uniformidade de apresentação, contribuindo assim para a sua coerência interna em termos de desenho curricular.
Em concreto e cobrindo todas as áreas científicas que fazem parte do Currículo oficial, a Biblioteca de Atividades Online permite a exploração de mais de uma centena de propostas de atividades disponibilizadas em acesso aberto, através de um conjunto diversificado de entradas ou descritores que podem ser combinados como critério de pesquisa em função do que se pretende encontrar. Para além das disciplinas escolares, pode, por exemplo, fazer-se uma pesquisa combinando o nível de ensino ou a faixa etária dos alunos, o nível de dificuldade da atividade, a ferramenta usada ou ainda os domínios de aprendizagem ou as competências visadas.
Como resultado da consulta, é devolvida informação sobre o número de atividades que preenchem a combinação dos descritores escolhidos e a lista das atividades que preenchem tais critérios. Consultando uma dessas atividades, o professor terá então acesso à apresentação dos diferentes aspetos da proposta, de forma estruturada, com os seguintes tópicos: i) Descrição Breve, em que se apresenta sumariamente a atividade; ii) Justificação, em que se explicitam as mais-valias que a utilização da tecnologia traz ao processo de ensino e aprendizagem; iii) Aprender o quê?, em que se apresentam, de forma breve e sistematizada, as aprendizagens previstas; iv) Notas & Links para as ferramentas, em que se refere qual a ferramenta utilizada e se dão algumas indicações sobre as condições de utilização respetivas; v) Descrição da atividade, em que se procede à descrição detalhada dos diferentes passos e tarefas a realizar; vi) Sequência, em que se apresentam de forma sintética os passos da sequência de aprendizagem; vii) Sugestões & Dicas, em que se acrescentam algumas informações suplementares, como, por exemplo, sugestões para adaptação da atividade a outros públicos ou contextos.
De referir, por último, que esta Biblioteca de Atividades Online está aberta a novas atividades que nos sejam propostas, seguindo o modelo apresentado, pelo que aqui deixamos o convite à criação e disponibilização de novas atividades que o leitor tenha concretizado com os seus alunos.